“Há um abandono histórico da fronteira no Amazonas”, diz prof. colombiano, sobre ligação entre Farc e FDN

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O principal motivo de existir uma estreita ligação entre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o grupo FDN (Família do Norte), conforme denunciado pelo Ministério Público, ocorre porque a fronteira entre Brasil e Colômbia, pela Amazônia, está completamente abandonada.

Tráfico também chega a Manaus pela rodovia BR 174

A afirmação é do professor de Ciências Sociais, Alejandro Villanueva Bustos, da Universidade da Colômbia, considerado um dos maiores especialistas no país na questão do narcotráfico. Segundo ele, a FDN, facção criminosa considerada pelas autoridades a responsável pela morte de 56 detentos em rebelião no último dia 1º, em penitenciária de Manaus, acabou se beneficiando dessa situação para realizar o motim.

— Essa relação (entre as Farc e a FDN) ocorre porque há um abandono histórico na fronteira entre Brasil e Colômbia pelo Amazonas, principalmente pelo lado colombiano. O Estado colombiano não chegou ao Amazonas, nos últimos 20 anos há colonos traficantes, contrabandistas, comerciantes de drogas operando na região.

O professor colombiano afirma que tal situação, denunciada na última quarta-feira (4) pelo Ministério Público Federal no Amazonas, está alheia ao processo de paz das Farc com o governo colombiano. Nas regiões mais distantes, de selva, dissidências do grupo não participam das negociações e não seguem o acordo que foi aprovado pelo Congresso colombiano no último dia 2 de dezembro.

— Uma das frentes que operam no Amazonas se declarou dissidente em relação ao processo de paz. Nesta região há forte relação comercial da guerrilha com traficantes brasileiros e até autoridades, em troca de dinheiro e drogas. O Brasil tem sido utilizado por narcotraficantes como uma escala para envio de drogas à Europa e à África, não se pode negar, é muito possível que esse grupo rebelde FDN tenha relação com intergantes dissidentes das Farc.

Há vários tipos de rotas na região, segundo o professor Ricardo Nogueira, doutor em Geografia da UFAM (Universidade Federal do Amazonas). Mais para o norte amazonense, na região de São Gabriel da Cachoeira, do lado brasileiro, e Mitú, do lado colombiano, há intenso tráfico de armas. As facções brasileiras, segundo eles, são abastecidas em função dessa variedade porosa de caminhos.

— Existem muitos caminhos, há na verdade dificuldade de se controlar o tráfico, são áreas enormes. A fronteira entre Brasil e Colômbia tem cerca de 1.020 km, são áreas muito extensas. A região das cidades de Tabatinga (Brasil) e Leticia (Colômbia), onde pelo que sei há mais entrada de drogas, pega uma parte do rio vinda de Iquitos, no Peru, que após cerca de 200 km entra no Brasil.

Ele acresenta ainda o fato de a região ter uma grande quantidade de rios, para ampliar as possibilidades de os traficantes entrarem no Brasil. Como exemplo, Nogueira cita o Solimões, mais movimentado, o Japurá e o Içá (Putumayo), desaguando no Rio Amazonas, nas cidades de Tefé (Japurá) e Santo Antônio do Içá (Içá/Putumayo).

— Além destes dois rios, há o Rio Javari, vindo do Peru, que é outra opção de rota destes grupos. Além disso, sempre que aumenta a repressão em um ponto, os criminosos encontram outros para entrarem pela fronteira. Por exemplo, os traficantes também utilizam a fronteira com a Venezuela, pelo rio Orinoco, e depois descem pela rodovia BR 174, que dá acesso a Manaus. A Polícia Federal já fez apreensões de drogas neste trajeto. Há muitas opções de tráfego. E onde há tráfego, há tráfico.

Carência de infraestrutura

A falta de Estado, segundo Bustos, vem também da falta de recursos para criar uma infraestrutura apropriada de combate à criminalidade na região, onde, segundo ele, há também a participação de grupos que abastecem a guerrilha desde o Peru. A corrupção nas citadas regiões de Letícia e Tabatinga também é uma das causas do abandono da área, segundo ele.

— A logística, tecnologia, comunição e transporte, que poderiam melhorar o diálogo das autoridades, quase não existem. Há muita corrupção nessa região, em Letícia (cidade do lado colombiano) e sobretudo em Tabatinga (no Brasil), onde operam distintos grupos de contrabandistas que recebem cocaína. Do Peru, que forma uma tríplice fronteira, há também abastecimento de armas e outros itens para a guerrilha e narcotraficantes colombianos.

Nogueira também ressalta que a carência de melhor infraestrutura é determinante para a criminalidade transitar com facilidade, amparada pelas enormes extensões das fronteiras.

— Seria necessário um grande aparato de vigilância, com recursos humanos, satélites e aviões circulando para que o controle fosse aprimorado. E não há recursos para isso. Recentemente, em dezembro último, o Exército estava com dificuldades para mandar suprimentos para a fronteira por causa da limitação dos voos da Aeronáutica. Como é que se pode pensar em fazer vigilância contra o tráfico se até para envio de suprimentos estavam com dificuldades?

Bustos considera, porém, que o acordo de paz entre as Farc, que estão concentradas em sete zonas distribuídas pelo país, e o governo é uma iniciativa fundamental, que pode até amenizar esse comércio clandestino ao longo dos anos. Ele considera que os grupos atuantes na criminalidade já são minoria dentro das Farc.

— Grupos que estão mais longe dessas regiões onde as Farc se comprometeram a controlar, especialmente na selva, não estão integrados a esse processo de paz. Mas as Farc mostraram que estão empenhadas na paz. O fim desta guerra é bom para os colombianos, dá estabilidade à região, irá surtir importantes resultados, inclusive com a inclusão de outros grupos, ao longo do tempo.

Fonte: http://noticias.r7.com/